Muitos dos rapazes e raparigas colocados na ART tiveram, de alguma forma, dificuldades emocionais no início dos seus percursos de vida. A maioria das vezes, por questões que até lhe foram completamente alheias e que não dependia necessariamente deles. Mesmo situações extremas a que chegaram ou acabaram por viver, nomeadamente as relacionadas com absentismo escolar, problemas de comportamento ou abuso de substâncias aditivas, fecharam ciclos de desamparo, dor, zanga, desafio e revolta e que se iniciaram bastante antes da referência a esta instituição.

            Por isso, não é complicado entender que no dia a dia deste trabalho terapêutico encontramos histórias de vida de adolescentes que estão demasiado presas de experiências negativas do passado, e que ainda agora parecem modelar relações consigo próprios e com os outros, quer sejam respeitantes ao seu grupo de pares ou a adultos de referência.

            Ser colocado na ART, independentemente dos motivos pelos quais cada qual aqui chegou, não é de início tarefa fácil para ninguém. Apesar de tudo, o primeiro desafio é a necessidade imediata de fazer uma rotura, de ganhar distância com vivências que, durando há tempo demais, estavam muito provavelmente a levar os jovens para uma sensação evidente de um beco sem saída.

           Para trás fica então a família, outra instituição, um bairro, uma casa, amigos, namoros. Ficam igualmente distantes outros comportamentos repetidos como os pautados pela agressividade e destrutividade, tantas e tantas vezes dirigidas contra o próprio e implicando riscos físicos, emocionais e sociais muito complicados que, se não fossem contidos nem trabalhados, reforçariam caminhos futuros muito negros.

            A ART oferece a possibilidade de um novo começo. A vivência, de num outro espaço, se poder ter um outro tempo. Tempo de recordar o passado apenas para que este não se possa nem deva repetir. Tempo de, finalmente, poder olhar para o futuro, de uma forma que permita a presença de duas palavras quase sempre esquecidas: ajuda e esperança.

            A todos os adolescentes que conheço na ART acabo quase sempre por dizer de formas diferentes o essencial de uma mensagem que me parece ser fundamental que encarem: estar aqui e agora em Castro Verde, neste espaço, com estes adultos e outros jovens é, e será sempre, um simples momento de passagem. As suas vidas passam por aqui, mas não se detêm aqui: vão prosseguir. E nesse trajecto que se quer olhado de frente, a todos desejo que num futuro breve não seja necessário voltar a estar num local de características idênticas ou até, eventualmente, piores.

            Por vezes, os momentos de crise ou dificuldade que todos encaramos ao longo das nossas vidas não podem nem devem ser olhados como pontos irreversíveis do nosso funcionamento enquanto pessoas. Aliás, partilho da opinião que todas as crises ou quebras do desenvolvimento podem ter em si próprias o enorme desígnio de obrigar a mudar.

            A ART serve para ajudar a mudar. Por isso, todos os que aqui são acolhidos merecem o meu maior respeito. Por aquilo que são enquanto adolescentes, mesmo estando consciente dos pontos de maior dificuldade que cada um tem, para os quais incito a que olhem sem medo nem vergonha. Pelo que acredito na possibilidade evolutiva dos mais jovens, a que por diante ainda espera uma vida inteira por construir.

             Desejo que na ART ninguém se sinta só. Ou, pelo menos, tão isolado, triste ou perdido como, de certeza, já aconteceu para trás. Peço a todos que, mesmo lentamente, aprendam de novo a confiar, a estabelecer ligações de afecto, de representação emocional positiva, que de igual modo ajude a recordar pontos positivos ou fortes que cada qual tem e pode sempre evocar no infinito diálogo com todos e tudo aquilo que os rodeia.

            Pedro Strecht

            Médico Pedopsiquiatra da ART

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